AFINAL, O QUE É EDUCAÇÃO HUMANISTA?

Essa é uma conversa que precisamos ter. Afinal, acerca de QUAL EDUCAÇÃO HUMANISTA temos nos referido por aqui. O neo humanismo na educação aponta para o APERFEIÇOAMENTO primeiro de si mesmo.

Por: Sheyla Fontenele

5/28/2023

O QUE É EDUCAÇÃO HUMANISTA, QUAIS OS SEUS PRINCÍPIOS OS SEUS FUNDAMENTOS?

Em primeiro lugar, é preciso clarificar o que foi o humanismo na história da humanidade. Já temos tratado do tema especialmente em um vídeo que produzimos para o canal do Youtube, em que deixamos abaixo a referência para quem deseje assistir (Macedo, 2023a).

De forma breve, o humanismo foi uma corrente filosófica, sociológica psicológica e podemos afirmar que cultural e educacional, que situa o ser humano no centro dos interesses existenciais. O apogeu do humanismo se deu no período conhecido como Renascimento, que ocorreu aproximadamente entre os séculos XIV e XVI na Europa, embora suas raízes possam ser rastreadas até o final da Idade Média. O humanismo representou uma mudança significativa no pensamento e na cultura europeia, marcando uma transição da mentalidade medieval para uma visão de mundo mais centrada no ser humano e na valorização das capacidades humanas.

Aqui nos voltaremos mais às concepções de Educação Humanista e suas bases.

A ideia do humanismo na educação encontra suas raízes na Paideia grega, que serviu de base para o movimento educacional da Grécia Antiga. A Paideia remonta ao período homérico, e cuja base educativa era formação integral do indivíduo, enfatizando não apenas o desenvolvimento intelectual, mas também a ética, a moral e o cultivo das virtudes. Essa abordagem educacional grega era centrada no ideal de “Aretê”, que se referia à excelência moral e intelectual que os cidadãos deveriam buscar. Ou seja, os gregos buscavam o arquétipo da excelência humana, ou seja, a formação de um cidadão pleno par conviver pólis de forma perfeita, harmônica. Capaz de liderar e até de ser liderado para desempenhar papéis positivos na sociedade, não importando que papel assumisse, desde que agregasse valores à cidade.

Assim, havia um conglomerado de disciplinas que perfaziam o currículo da Paideia, como a Oralidade (retórica), a Gramática, a Ginástica, a Música, a Geografia, a Escola Natural e obviamente, a Filosofia.

A Paideia foi um modelo educacional, que forjou as bases da formação humana e que deu assim um impulso para as bases das matrizes curriculares humanistas da escola que nós conhecemos hoje. E se você quer se aprofundar um pouco mais na Paideia como modelo educativo, oriento que acompanhe também outro vídeo de nosso canal no Youtube (Macedo, 2023b).

De todo modo, a Paideia era uma educação dirigida ao homem grego, já que a mulher era educada também para cumprir essa cidadania limitada a exercer certas funções como a educação dos filhos e aos cuidados do lar. Assim como a classe menos privilegiada e escravos não tinham acesso a esta educação. Entretanto, e apesar dos limites sociais impostos, o ser educado por este modelo teria de ser virtuoso, e desempenhar um papel positivo na sociedade e para a vida na pólis.

Outro exemplo de modelo educacional humanista foi a Humanitas romana, que foi uma tentativa de réplica da Paideia. Os romanos se basearam nesse modelo para criar a sua escola que também valorizava a visão filosófica, também sistematizada. Entretanto, esse formato de educar era mais pragmatizado, voltado para o cotidiano dos romanos.

O fato é que a Paideia grega influenciou diretamente o pensamento educacional que avançou pela Idade Média, a Europa renascentista, e a idade Moderna. Os humanistas viam a educação como um meio de aprimorar o caráter e a moral, bem como de desenvolver habilidades intelectuais. Isso se refletiu na organização das escolas que valorizavam o ensino das humanidades, como retórica, poesia, filosofia e história, além das disciplinas clássicas de latim e grego.

A ideia de “educação humanista” ganha espaço a partir de Carl Rogers.

Carl Rogers que viveu entre 1902 a 1987, não foi um pedagogo, como muitos poderiam pensar. De fato, ele foi um psicólogo norte-americano conhecido por suas contribuições significativas para a psicologia humanista e acreditava que cada aluno é único e possui seu próprio conjunto de necessidades, desejos e objetivos.

A educação humanista rogeriana ficou conhecida mesmo como humanista porque se baseava na aprendizagem centrada na pessoa. Quer dizer, ele enfatizava a importância de respeitar e valorizar a individualidade de cada educando. Era uma perspectiva por assim dizer quase que de um otimismo educacional. Isso porque o foco da ação educativa era centrado nas potencialidades pessoais, e que seriam entendidas quase como tendências naturais do ser humano. Caberia ao professor, educador buscar essas tendências naturais da pessoa para fazer culminar o que compreendia como “aprendizagem significativa”. O princípio da educação rogeriana era centrada na empatia, a capacidade de nos colocarmos no lugar do outro, tomando esse outro como o aprendente. Outra questão também presente na educação humanista de Rogers é a autenticidade, ou seja, garantir que o educando seja autêntico nas suas tarefas, práticas e produções. Dito de outra forma, o professor não daria nada pronto. Esse é um aspecto significativo dessa educação humanista. Mas existe outra questão fundamental, que é o que ele chama de congruência. Rogers vai apontar como congruência exatamente a capacidade de aceitação. Por aceitação ele se referia à aceitação dos sentimentos, das atitudes, das experiências. A aceitação por parte do professor e a auto aceitação do aluno, a fim de culminar seu processo de autoconhecimento. Aspecto esse fundamental da educação humanista rogeriana. Também havia a característica da “não diretividade”, que significa que o ser humano estaria pronto para auto dirigir o seu processo de aprendizagem, sendo a figura do professor baseada no arquétipo do mediador, do tutor ou do guia.

Ainda sobre a educação rogeriana, foram princípios educativos por ele levantados:

1. Ambiente de apoio: a criação de um ambiente de aprendizado positivo e de apoio. Ele acreditava que os educadores deveriam fornecer um espaço seguro e acolhedor para os alunos, onde se sentissem livres para expressar seus pensamentos e sentimentos sem medo de julgamento.

2. Aprendizado autodirigido: Rogers via a aprendizagem como um processo ativo e autodirigido. Ele argumentava que os alunos são mais motivados a aprender quando têm a oportunidade de escolher o que estudar e como fazê-lo.

3. Foco no crescimento pessoal: A Educação Humanista de Rogers estava profundamente comprometida com o crescimento pessoal e o desenvolvimento de todo o ser. Ele acreditava que a educação deveria ajudar os alunos a se tornarem pessoas mais autênticas, conscientes e autoconfiantes.

4. A comunicação: Além da empatia, já mencionada, ele acreditava que os educadores deveriam ser empáticos, ou seja, capazes de entender e compartilhar os sentimentos dos alunos. A comunicação eficaz e não julgadora é vista como uma ferramenta essencial para criar uma relação de confiança entre aluno e educador.

5. Avaliação centrada no aluno: A avaliação na Educação Humanista de Rogers é centrada no aluno. Em vez de se concentrar apenas em notas e testes, ele enfatizava a importância de avaliar o progresso do aluno em relação aos seus próprios objetivos e metas de aprendizado.

O fato é que suas ideias continuam a influenciar educadores e psicólogos, promovendo abordagens mais humanistas, centradas no aluno, para o ensino e a aprendizagem.

Mas o que é a educação humanista hoje?

Continua a ser uma abordagem educacional que coloca o ser humano no centro do processo de aprendizado, mas que enfatiza o desenvolvimento integral.

A educação humanista se expandiu a partir do século XX especialmente a partir de dois movimentos:

1. Movimento da Educação Nova (séculos XIX-XX): Este movimento, também conhecido como Escola Nova, enfatizava a aprendizagem ativa, a experimentação, a educação centrada no aluno e o uso de métodos pedagógicos inovadores. Educadores como John Dewey e Maria Montessori foram figuras importantes nesse movimento.

2. Educação Holística (século XX em diante): A educação holística busca integrar corpo, mente e espírito no processo de aprendizado. Ela valoriza a espiritualidade, a consciência e a conexão com a natureza como componentes importantes da educação.

O humanismo na perspectiva integradora, holística e de base espiritual, concentram as visões de Edgar Morin, da Pedagogia Waldorf e da Pedagogia Logosófica, referenciais teóricos que tenho sempre abordado em nossas redes sociais.

Edgar Morin nasceu em 1921, é um filósofo e sociólogo francês que tem ainda hoje forte influência significativa no campo da educação humanista, especialmente por meio de suas ideias sobre a complexidade e a necessidade de uma abordagem holística e multidisciplinar para compreender o ser humano e sua educação. Eis alguns dos principais fundamentos humanísticos associados às contribuições de Edgar Morin (1979, 1986, 1991, 2000):

1. Visão Holística: Morin defende a importância de uma visão holística da educação, que reconhece a interconexão de todas as dimensões da experiência humana, incluindo aspectos cognitivos, emocionais, sociais e culturais. Ele enfatiza a necessidade de superar a fragmentação do conhecimento e da educação, buscando uma compreensão mais completa e integrada do ser humano.

2. Complexidade: Morin introduziu o conceito de "pensamento complexo", que destaca a natureza intrincada e multifacetada da realidade. Ele argumenta que a educação deve abraçar a complexidade e ensinar os alunos a lidar com a incerteza, a ambiguidade e as contradições, em vez de simplificar demais os problemas.

3. Educação para a Cidadania Global: Morin defende a ideia de que a educação deve preparar os indivíduos para serem cidadãos responsáveis e éticos em um mundo globalizado e interconectado. Isso envolve o desenvolvimento de uma consciência crítica em relação aos desafios globais, como a sustentabilidade, os direitos humanos e a justiça social.

4. Diálogo e Compreensão Intercultural: Ele enfatiza a importância do diálogo intercultural e da compreensão mútua entre diferentes culturas como uma parte essencial da educação humanista. Isso promove a tolerância, o respeito pela diversidade e a construção de uma sociedade mais inclusiva.

5. Autonomia e Pensamento autônomo: Morin acredita que a educação deve capacitar os alunos a desenvolverem autonomia intelectual e pensamento reflexivo. Ele encoraja os educadores a promoverem a curiosidade, o questionamento e a reflexão, em vez de simplesmente transmitirem informações.

6. Educação para a Ética: A ética desempenha um papel fundamental em sua abordagem à educação humanista. Ele argumenta que a educação deve ajudar os alunos a desenvolverem um senso ético sólido, promovendo valores como solidariedade, responsabilidade e justiça.

7. Educação para a Totalidade Humana: Morin propõe uma educação que busca o desenvolvimento da totalidade humana, que vai além do intelecto e inclui aspectos emocionais, sociais, culturais e espirituais. Ele acredita que a educação deve cultivar o crescimento pessoal e a realização plena do potencial humano.

Já a Pedagogia Waldorf, que se iniciou no século X, foi desenvolvida por Rudolf Steiner, a pedagogia Waldorf se concentra no desenvolvimento holístico das crianças, integrando arte, música e movimento no processo educativo. Ela valoriza a individualidade de cada aluno e promove o aprendizado por meio da criatividade (Lanz, 2016).

A Pedagogia Logosófica foi criada nos idos de 1930, pelo pensador e educador argentino Carlos Bernardo González Pecotche, que coloca o ser humano no centro da educação. A formação humana é dirigida a todos aqueles que estão envolvidos com a ação educativa e pedagógica, incluindo a família, que é um agente precioso nesse processo. São, portanto, alguns dos fundamentos desse humanismo na educação, em acordo com Pecotche (2014, 2015, 2017, 2018, 2019):

a) A educação começa conosco, por dentro, não se pode ensinar o que não se tem para ensinar;

Somos seres com uma natureza tríplice bio, psico e espiritual (Pecotche, 2015), o que significa que toda a educação necessita estar organizada de modo a contemplar essas três esferas da configuração humana.

b) Estamos na experiência humana para evoluirmos e sermos melhores, o que significa ser mais consciente. Assim, quem é tolerante significa que possui uma consciência “tolerante”. Estar consciente implica na realidade um estado pleno do ser.

c) A educação é auto educação. Ninguém pode educar o outro, mas pode sim, gerar condições educativas para que ou outro se motive a aprender.

d) O conhecimento de si mesmo, que nada mais é do que autoconhecimento é outro dos princípios que eu considero fundamentais nessa educação humanista, que nos permite reconhecer a nossa bagagem psico espiritual, e o que nela precisa ser aperfeiçoado, o que significa que o ensino da ética se faz presente nessa pedagogia.

e) A educação humanista é integral, em que compreendemos que “A educação integral é aquela, que contempla que a educação humana precisa acontecer a partir da premissa epistêmica assente no seguinte esquema prévio: ‘conhecimentos e saberes científicos que edifiquem a cultura humana + o processo de humanização”. (Macedo, 2023, n.d.).

f) Formar um ser que seja servidor da humanidade, que perceba essa sua função humanística, primeiramente em sua vida, sendo a melhor versão humana que puder ser e logo, de toda a humanidade.

A Pedagogia Logosófica é a ciência da vida, que nos permite por meio do seu método psicodinâmico a entender o que é a vida, para que estamos aqui e logo, a bem viver.

Outrossim, e inspirada nos ensinamentos de Pecotche (2014, 2015, 2017, 2018), conceituo em meu livro Educação Humanista – no prelo - que essa educação:

[...] é aquela que começa a partir do humanismo de Si mesmo. Não há como ensinar o humanismo, sem que o próprio viva e se forje no fogo da experiência humanista. Ser humanista é, antes de tudo, assumir o compromisso com o seu próprio aperfeiçoamento e com o dever de partilhar estes saberes e fazeres com a humanidade” (Macedo, 2023c, n.d.).

A educação humanista diante das novas vertentes, vem ganhando novos contornos e tem se desenvolvido com base em um neo humanismo, que nos eleva a uma condição de verdadeira humanidade. Logo, é uma educação que começa “de dentro para fora”, em que nos colocamos como os principais partícipes de nossa educação. De modo que possamos compreender o sentido de nossa vida, e assumir a responsabilidade para com essa vida primeira, que é a nossa e logo, com a do outro e todos os seres viventes no mundo, de maneira mais significativa e consciente. Assim, o termo “ser humano” realmente refletirá o conteúdo mais digno manifesto nessa expressão.

REFERÊNCIAS:

LANZ, Rudolf. A Pedagogia Waldorf: Caminhos para um ensino mais humano. São Paulo: Summus, 2016

MACEDO, Sheyla Maria Fontenele. Educação Humanista: a educação começa por dentro (inspirado na Pedagogia Logosófica). Portalegre, RN: no prelo, 2023c.

MACEDO, Sheyla Maria Fontenele. Breve história do humanismo na Educação. Portalegre, RN: Canal Youtube Educação Humanista, 2023a. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=f7hOWMEl0TE&t=590s Acesso em: 02 maio. 2023.

MACEDO, Sheyla Maria Fontenele. A Paideia Grega: modelo de educação humanista. Portalegre, RN: Canal Youtube Educação Humanista, 2023b. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=8q40bc-ZNjE&t=31s Acesso em: 02 maio. 2023.

MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. Lisboa: Instituto Piaget, 1991.

MORIN, Edgar. O enigma do homem. Rio de Janeiro,: Zahar, 1979 .

MORIN, Edgar. O Método III: O conhecimento do conhecimento. Portugal: Publicações Europa-América, 1986.

MORIN, Edgar. Os Sete Saberes necessários à Educação do Futuro. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: UNESCO, 2000.

PECOTCHE, Carlos Bernardo González. 4. ed. Coletânea da Revista Logosofia, Tomo 1. São Paulo: Editora Logosófica, 2014. Disponível em: https://logosofia.org.br/livros/coletanea-da-revista-logosofia-tomo-i/ Acesso em: 23 maio. 2023.

PECOTCHE, Carlos Bernardo González. 3. ed. Coletânea da Revista Logosofia, Tomo 2. São Paulo: Editora Logosófica, 2018. Disponível em: https://logosofia.org.br/wp-content/uploads/2019/12/Coleta%CC%82nea-da-Revista-Logosofia-TOMO-II-3ed.pdf Acesso em: 23 maio. 2023.

PECOTCHE, Carlos Bernardo González. 12. ed. Exegése Logosófica. São Paulo: Editora Logosófica, 2016. Disponível em: https://logosofia.org.br/wp-content/uploads/2018/12/Exegese-Logosofica.pdf Acesso em: 23 maio. 2023.

PECOTCHE, Carlos Bernardo González. Introdução ao Conhecimento Logosófico. 4. ed. São Paulo: Editora Logosófica, 2019. Disponível em: https://logosofia.org.br/livros/introducao-ao-conhecimento-logosofico/ Acesso em: 23 maio. 2023.

PECOTCHE, Carlos Bernardo González. 16. ed. Mecanismo da Vida Consciente. São Paulo: Editora Logosófica, 2015. Disponível em: https://logosofia.org.br/wp-content/uploads/2018/12/O-Mecanismo-da-Vida-Consciente_16Ed.pdf Acesso em: 23 maio. 2023.