A CRISE DE CONCEITOS -A VERDADE COMO NORTE
Hoje, estamos assistindo a uma crise de conceitos, a uma crise mental em que os homens ou retornam à realidade e tomam por norte a verdade, ou se perdem no torvelinho a que o engano conduz, do qual lhes será sumamente difícil escapar se não se sentirem muito firmes para lutar e se defender dos laços que esse engano estende para amarrar e limitar o ser... Um convite à leitura que nos humaniza...!!!
González Pecotche


A CRISE DE CONCEITOS -A VERDADE COMO NORTE
Carlos Bernardo González Pecotche
O ser humano, além do mais avançado entre os tantos seres que se conhecem e povoam a Criação, é o mais curioso e o mais cheio de rodeios; o mais curioso porque constantemente variam suas características e também seus pensamentos; o mais cheio de rodeios talvez pelo fato de o mundo estar sempre dando voltas, rodeando um eixo imaginário. Quando algo lhe parece interessante, atribui a esse algo um valor, uma estima, conforme o grau de interesse despertado nele; mas, tão logo perde esse interesse, tira-lhe todo o valor atribuído; e isto ele faz com as coisas, com as amizades, com os parentes e até consigo mesmo. Já se pôde observar, ao longo de muito tempo e em muitos lugares, pessoas que em certos momentos se avaliaram como muito inteligentes e, em outros, como broncas; ou seja, dependendo de sua atuação, o homem julga a si mesmo de um modo ou de outro: se acerta, é inteligente e aparece perante seus semelhantes como se vestisse traje de gala; se se equivoca, e principalmente se observa que seu equívoco foi visível, sente-se envergonhado e, para se justificar, numa atitude de pouca compaixão consigo mesmo, chama-se de torpe.
Recordo que, numa ocasião, eu disse a alguém que fazia mal ao chamar desse modo a si próprio, porque não tinha nenhum direito de humilhar o inocente que levava dentro de si, porquanto o causador de seu erro tinha sido, sem dúvida alguma, um pensamento que bastaria eliminar para eliminar também o pequeno bronco que tinha em sua mente. Pois bem, com a verdade sucede o mesmo. Os indivíduos e os povos palparam a verdade na realidade das coisas que a Criação pôs diante de seu juízo; assim, foi verdade o comprovar a própria existência e foi verdade, também, o comprovar a existência de todos os demais. Isto ensinou os seres humanos a viver na verdade e, por meio dela, a se comunicar com seus semelhantes; mas, como de tudo o homem se cansa, cansou-se também da verdade e então começou seu declínio, ao buscar na interpretação capciosa das coisas a justificativa para o falseamento da verdade, o que deu lugar à era do engano, da mistificação e do desvio.
Cada um foi dando, deste modo, uma nova forma e um novo nome às coisas; cada um pretendeu levar os demais ao convencimento das vantagens que isto lhes proporcionava, e, assim, tanto os indivíduos como os povos foram se enganando mutuamente em suas relações e em seus pactos. Mas este engano se estendeu ainda além: mudaram-se as expressões para o entendimento do que até esse momento constituía a base de toda paz; surgiram novos conceitos sobre as coisas ou, melhor ainda, pseudoconceitos, e a verdade, antes natural na convivência humana, foi-se tornando dura e inexorável ante os que a tinham desvirtuado. O homem, em lugar de corrigir-se, buscou a defesa na desfiguração dos fatos. O que estou dizendo vem de longe, causa pela qual se torna cada dia mais inadiável e necessário retornar aos verdadeiros conceitos das coisas e à fonte onde nascem todos os princípios.
Hoje, estamos assistindo a uma crise de conceitos, a uma crise mental em que os homens ou retornam à realidade e tomam por norte a verdade, ou se perdem no torvelinho a que o engano conduz, do qual lhes será sumamente difícil escapar se não se sentirem muito firmes para lutar e se defender dos laços que esse engano estende para amarrar e limitar o ser.
Os homens querem ter boa-fé e, certamente, em muitos casos a têm, porém tropeçam no fato de verem essa boa-fé surpreendida pelo engano. Sobrevém, então, a reação e, com frequência, para não prejudicar, começam por se enganar a si mesmos, pensando que esse engano não prejudica, e assim, sem se darem conta, uns e outros entram na corrente que os leva à perdição. Vemos que tanto nos homens como nos povos acontecem coisas idênticas, e que, quando essa boa-fé é defraudada, a natureza humana reage em defesa de sua integridade, trate-se de homens ou de povos. De modo que hoje, diante das duras lições recebidas, a humanidade, se quiser se salvar, terá que adotar uma só posição e defendê-la com todas as forças de que dispuser: retornar à verdade pelo caminho da razão, da consciência e da realidade. E tudo aquilo que pretenda atentar contra essa trilogia em que haverá de se basear a confiança no futuro, deverá ser combatido energicamente, rapidamente, como se cada um experimentasse a sensação de que o punhal traidor está perto de seu coração. Temos aí o dilema atual entre os povos do mundo inteiro: ou se abraça a verdade como emblema da confiança universal ou se abdica para sempre de todas as prerrogativas que se possam ter. Penso que os demais interesses ou problemas são secundários, e que isto é o que deve ser encarado antes de tudo e resolvido com vistas a que não volte a ser alterado jamais.
É necessário que o ser humano compreenda, de uma vez por todas, que as ambições e o erro a nada conduzem, a não ser à desgraça, e que, no plano dos altos debates, onde estão em jogo a paz dos homens, a civilização e a vida de todos, deve-se hastear sem adulteração alguma a bandeira imaculada da verdade, que há de ser defendida de todas as maneiras e em todos os seus aspectos. Que cada palavra que se pronuncie seja um fragmento dessa verdade, porquanto, não sendo assim, as discussões serão mesquinhas e egoístas, e não haverá o que toda a humanidade espera: grandeza nas palavras, nobreza nas intenções e pureza nos anelos individuais e coletivos. Quem, senão alguém que está acima de todos os homens, ensinou esta verdade: quando os povos vivem em harmonia e em paz, ninguém jamais discute acerca do pedaço de terra onde cada um caminha ou se detém para descansar ou edificar sua casa, e por todas as partes acha corações amigos e braços abertos? Por que, então, macular tanto essa verdade, a ponto de, em vez de braços abertos, se encontrarem a todo momento punhos cerrados e corações envoltos em ódios e rancores? Pelo fato de habitar a terra, o homem é, por acaso, seu dono absoluto? Pensar que sua propriedade dura tão somente um instante!
Há muitos lugares nela onde o homem pode viver, e léguas e léguas pode ele percorrer sem encontrar ninguém que o proíba. Por que, então, em pequenas áreas agrupadas, como espécies inferiores, restringem-se os direitos e consome-se a existência, como se ali, nesses míseros espaços de terra, devesse o homem pagar com a vida a insensatez a que foi levado por se afastar da verdade? São os seres humanos semelhantes entre si ou existe entre eles uma espécie oculta que, pretendendo ser superior, trata de reduzir à escravidão os que não sabem pensar o que significa a liberdade para o espírito, a liberdade para o coração e a liberdade para a vida? Perceberão todos as dificuldades enormes que obstaculizam o labor dos homens que querem a paz, que querem a ordem e que não sabem como encontrar a alavanca misteriosa que haverá de mover os que, ancilosados no mal, ainda se empenham para que a grande máquina do mundo siga retrocedendo em vez de avançar? A lição desta última guerra parece não ter sido suficiente, a julgar pelos entorpecimentos que vão surgindo, pois se persiste em surpreender a boa-fé dos que confiaram e confiam em Deus.
É dever de todos, sem exceção alguma, contribuir para a formação de grandes cadeias de opiniões sadias, fortes e nobres, que, estendendo-se pelo mundo, cheguem a tempo de eliminar as que ainda seguem empunhando a tocha da destruição. É necessário que pensamentos fortes, vigorosos, sejam lançados na luta contra o mal, para vencê-lo antes que esse mal busque novamente exterminar mais vidas humanas. E se cada um leva a seus semelhantes esta palavra e os previne dos perigos que outra vez pairam sobre o mundo, ameaçando sua paz e sua felicidade, haverá de contribuir em muito para deter o desvario dos que só têm em suas mentes pensamentos obsessivos, e que nada entendem além daquilo que satisfaça a suas ambições.
Disse ontem, e disse-o também faz tempo, que se chegou a esse estado de coisas porque os homens deixaram de pensar e confiaram no pensamento de seus semelhantes; como todos fizeram o mesmo, essa confiança foi defraudada, e, no final, ninguém fez nada. Sempre que se discutem problemas, qualquer que seja sua índole, quem menos pensa é quem perde, porque recolhe a semente, boa ou má, daquele que, pensando um pouquinho mais, bem ou mal, conseguiu que essa semente fosse aceita. Onde está o juízo, onde está a razão para discernir, para discriminar o conteúdo ou a potência que essa semente poderia encerrar? Tudo isto leva, indiscutivelmente, à convicção de que o homem deve se preparar mental, física e moralmente para as contingências que possam sobrevir, e deve saber que, quando sua mente não pensa, ela o está conduzindo à desgraça e à morte. Se ao cruzar uma rua olhamos atentamente para um e outro lado, para ver se vem algum veículo, e paramos para evitar que nos atropelem, por que não fazemos o mesmo no plano mental, onde constantemente estamos atuando? Por que não agimos ali de igual forma, mantendo essa vigilância, esse espírito de conservação que nesse momento dá um valor à vida, já que, do contrário, passaríamos pela rua sem olhar o que poderia nos atropelar? Isso quer dizer, portanto, que a cada passo algo pode estar atentando contra a nossa vida, com toda a certeza. E que ninguém pense que isso seja um fatalismo, ou que o veículo que mata alguém foi enviado por um inimigo; não, nada disso.
Tudo que atenta constantemente contra a vida do homem é feito pela Providência para mantê-lo desperto, para que saiba cuidar dessa vida; para que saiba ser dono do que lhe foi dado em propriedade, e saiba também desfrutar a glória se conseguir sobreviver às ameaças e ataques de toda espécie. Este é o mérito daquele que, atravessando ruas e caminhos, evitou que um veículo o atropelasse; que, passando por todos os ambientes, evitou contaminar-se, e que, chegando ao final de seus dias, pôde conservar intacto seu corpo, e digo o mesmo de seu patrimônio moral e espiritual. Para isso foi dada ao homem a inteligência; para isso, a razão; para isso, os pensamentos com os quais pode auxiliar-se em todo instante. Aqui temos a genialidade de quem criou o Universo: dar tudo, mas exigir tudo, para que esse tudo seja salvaguardado da destruição.
Vejam, então, o porquê de tantas desventuras, de tantas desgraças, de tantas amarguras, e vejam quanta razão eu tinha ao lhes dizer que é necessário ser consciente em todos os instantes, para que esta consciência seja, em realidade, o anjo protetor, aquele que, mesmo sem pensarmos nisso, nos faça voltar a cabeça para enxergar o que pode pôr em perigo nossa vida; e aquele que, em todo momento, ainda que estejamos distraídos, nos faça reagir ante a proximidade de um atentado contra a nossa tranquilidade, nossa paz ou nossa vida. Para isso, a Logosofia ensina a evoluir conscientemente, porque é a única forma, e não existe outra, de alcançar a verdadeira integridade; de conhecer o verdadeiro valor da existência. Assim, pois, os seres humanos individualmente, ou os povos, devem sempre manter alerta o olhar e a mente para preservar suas próprias vidas de tudo que pretenda destruí-las. Mas a vida dos homens, como a dos povos, não é só violentamente que é destruída; também se destrói gradualmente, quando não há defesas contra todos esses atentados que, instante após instante, estão espreitando o homem, que cai vencido pela incapacidade de se defender, ou sai ileso e triunfa se souber ver a tempo e neutralizar o mal que dele se aproxima.
O resultado desta crise mundial que aponto está à vista de todos: ninguém usou os recursos que tinha para defender e preservar o que lhe foi dado em propriedade, e o mal, avançando, penetrou por todas as portas, como penetram as epidemias, ainda que não sejam vistas, e fazem estragos por onde passam. O mundo vive, desde alguns anos, à mercê dos pensamentos que se foram encarnando nas mentes. Acha-se entregue a uma luta mental na qual estão empenhados todos os valores humanos: ou triunfa sobre o mal, eliminando os pensamentos que o alentam, extirpando-os pela raiz, ou eles acabarão com as mentes e as vidas dos homens. Não há outra alternativa além da defesa, por todos os meios possíveis, do pensamento que sustenta esta profunda verdade que acabo de expressar. E cumpre anelar que a cada dia surjam por todas as partes mentes que compreendam e se alistem nesta cruzada contra as forças que estão querendo levar a humanidade ao extermínio. É necessário buscar o bem pelo próprio bem e adotar a bandeira da verdade, para que ela proteja e dê alento em todas as lutas. É necessário que esta verdade volte a presidir o mundo, para que a compreensão de todos seja um fato real e não uma falsidade; que haja nobreza nas palavras e nas ações e, sobretudo, que exista pelo menos um esboço de gratidão para com quem, apesar de todos os desvios humanos, está permanentemente oferecendo uma oportunidade de reabilitação a quem se chamou, sem o ser, rei da criação. Pensem bem e profundamente nisso, que estas não são horas para viver no descuido ou na indiferença; são horas de reflexão, porque são as horas mais álgidas que a humanidade já viveu.
REFERÊNCIA:
GONZÁLEZ PECOTCHE, Carlos Bernardo. Coletânea da Revista Logosofia: Tomo II. 3. ed. São Paulo: Fundação Logosófica, 2014. Disponível em: https://logosofia.org.br/livros/coletanea-da-revista-logosofia-tomo-ii/. Acesso em: 22 maio 2025.